Os meus olhos estão enublados com a tua ausência, tenho o
meu sangue pesado pela tua demora, tenho o nariz entupido por te teres afastado
tanto que já nem te consigo cheirar, os meus ouvidos estão entorpecidos com o
silêncio desta sala vazia que tu acabaste por deixar à alguns anos atrás, tenho
as minhas veias e artérias vazias de ti, e o meu corpo despido de qualquer tipo
de pele que possuirias no momento em que estávamos juntos.
Explica-me de uma vez por todas porque é que eu não sinto as
badaladas deste relógio quando penso em ti, porque é que depois de pensar em ti
acordo sobressaltado sem saber o que estava a pensar, antes de pensar em ti.
Explica-me porque é que a minha almofada ocupa exactamente à dois anos o mesmo
lado da cama quando a cama é tão grande e tu costumavas ocupar o resto mas
neste momento já não ocupas.
Elucida-me do porquê de eu não conseguir, quando tomo o
pequeno almoço, levantar o olhar da tigela cheia de cereais e leite morno,
quando antigamente nem me apercebia que havia tigela... apenas existia o teu
sorriso e o teu cabelo despenteado.
Tudo o que era nosso nesta casa e que agora é só meu também
já não o considero meu, não ouso usar nada que tu designaste de teu, tal como a
minha t-shirt que usavas para dormir, nem a consigo tirar da gaveta, na qual
guardo mais recordações nossas.
Lembro-me tão bem de como nos compreendíamos bem, as
palavras que proferíamos por mais complexas que fossem eram para nós tão
simples como 1+1=2 e 2+2=4, e se alguma das nossas frases fosse complexa ao
ponto de nenhum de nós perceber, isso daria imediatamente lugar a dois sorrisos
tão tímidos e apaixonados que obviamente simplificariam tudo e para mim tudo no
mundo era um sorriso teu.
Antes dedicava-me a escrever-te cartas de amor, hoje faço o
mesmo, mas embora a paixão seja a mesma, a dor de te ter perdido prende-me ao
presente e não me deixa divagar muito. Lembras-te de termos os mesmos ideais, as
mesmas palavras na boca no mesmo momento em que depois somente nos beijávamos?
Lembras-te de como eram longas as noites quando falávamos horas a fio para nos
conhecermos mais e melhor, e melhor e mais um pouco ainda, só para eu conhecer
todos os bocados de ti e tu conheceres todos os bocados de mim.
Adorava os dias mornos, no sofá deitados enquanto tu lias e
eu te lia o corpo com os meus olhos, ficava horas a ver-te, reparava sempre nos
teus óculos pendulantes na ponta do teu nariz, sem mesmo estes tirarem os olhos
do livro, e eu apenas com os meus olhos lia páginas inteiras de ti, eram essas
as tardes de que sinto falta, pequenos momentos que só os tinha contigo e era
contigo que os queria voltar a ter.
Desculpa todo este desabafo, sei que não mereces tal leitura
fatídica mas não me sentiria bem comigo se não desabafasse, se não te
dissesse que ainda te amo e que ainda sonho todos os dias que és minha e não há
dia que não acorde e não olhe pela janela com ideia de te reconquistar, digo
sempre: Hoje era um dia perfeito para nos apaixonarmos!
Gostava por último de te dizer que à três anos atrás
semeámos um sorriso na cara um do outro e desde então cresceu e cresceu, passou
por dificuldades, murchou um pouco, mas como pode um sorriso murchar quando
existes tu para o regares, sempre que te vejo oiço o teu nome ou te sinto em
qualquer lugar, o meu rosto não me perdoa e sorri, sorri com tanta força que os
meus dentes vêm mostrar-se ao dia, sorrio com tanta força que há gargalhadas
que rejuvenescem da minha boca, sorrio com tanta força que levanto os braços no
ar e grito bem alto sem saber o que grito, mas grito! O mundo não precisa de me
compreender, eu não preciso de me compreender, apenas preciso de ser feliz, e
quando estou contigo, sim... Eu sou feliz.